Depois de ser resgatado de uma tentativa malsucedida de atravessar o Canal da Mancha a nado em 1951, Alain Bombard, médico francês e biólogo, nascido em 27 de outubro de 1924, encantou-se pelas técnicas de sobrevivência no mar. E foi assim que surgiu a ideia de atravessar o Atlântico sem água ou comida, sobrevivendo apenas com o que resgatasse ao longo do caminho.
Para ele, era inconcebível que milhares de náufragos perdessem a vida no mar, todos os anos, pouco tempo depois de chegar às suas embarcações. O pensamento de Bombard era de que um náufrago poderia sobreviver simplesmente usando “sua cabeça”. Como provar isso? Naufragado, voluntariamente.
Em 19 de outubro de 1953, o futuro navegador – já que ele tinha pouquíssima experiência prévia com navegação – partiu de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, para Barbados, no Caribe. Ele realizou a travessia em um bote Zodiac de 4,5 metros de comprimento, chamado L’Hérétique (O Herege).
Para se alimentar e manter a sede sob controle, Dr. Bombard estudou uma receita de sobrevivência. De acordo com ela, ele teria que ingerir 3/4 de litro de água do mar por dia, misturada a um líquido espremido dos peixes que eram pescados diariamente. Para isso, o homem utilizou um arpão e um anzol, também feitos por ele mesmo.
Bombard também utilizou de uma rede de seda muito fina, com a qual poderia apanhar boa quantidade de plâncton (cerca de duas colheres de sopa) e que evitariam o risco de outro perigo, o escorbuto (causado pela deficiência muito grande de vitamina C). Essa é uma doença que provoca hemorragias, alteração das gengivas, queda da resistência à possíveis infecções, e é letal.
Em 23 de outubro, o aventureiro completou quatro dias nessa grande empreitada. O dia começou de maneira conturbada quando ele precisou arrumar uma vela de última hora — a original acabou sendo levada pelas condições do oceano, depois de uma tempestade cruzar seu curso. Ele acordou abruptamente, com o bote semi-submerso, entre grandes ondas. Ele relata que teve um certo trabalho para esvaziar o L’Hérétique e colocá-lo em ordem, mas que a preocupação foi embora junto com a tempestade.
Depois de 21 dias, Bombard enfrentou chuvas quase que diárias até o fim dos 44 dias restantes, o que contribuiu para as suas necessidades cotidianas de água. Essa mesma sorte também surgiu nos encontros com tubarões, em que o médico e biólogo relata ter sido perseguido mais de uma vez, mas saindo ileso em 100% das ocasiões.
Após um mês e meio de navegação, o encontro foi com um navio. Os tripulantes informaram ao navegador que ele havia desviado o caminho em cerca de 600 milhas, e ofereceram uma refeição ao aventureiro. Ele conta que aceitou um prato simples: um ovo frito, um pouco de fígado e um pouco de repolho acompanhado de frutas. A decisão, no entanto, não foi das melhores. Os últimos 12 dias de navegação foram de arrependimento, já que, depois dessa alimentação, o estômago do médico passou a rejeitar peixe cru. Ele perdeu mais peso nesses últimos dias do que em todos os outros até então.
A viagem durou 65 dias no total, navegando a aproximadamente 45 milhas por dia. Alain atracou em Barbados no dia 23 de dezembro de 1952, após percorrer 4 400 quilômetros à deriva. “Eu havia lutado em nome do homem contra o mar, mas percebi que havia se tornado mais urgente lutar em nome do mar contra os homens”, contou, ao fim da travessia. O biólogo perdeu 25 quilos e foi hospitalizado imediatamente ao chegar em terra firme.
A recuperação durou pouco tempo, e, no ano seguinte, o francês decidiu publicar suas conclusões em um livro chamado Naufragé Volontaire (Náufrago Voluntário, em tradução literal para o português). Na obra, o profissional descreveu toda a sua viagem e adicionou descobertas pessoais ao longo do relato. A partir disso, o biólogo se tornou um herói na França, permitindo com que iniciasse até uma vida política no país, tornando-se secretário do Meio Ambiente em 1981.
Posteriormente, suas pesquisas entraram até para as recomendações de navegação da Organização Mundial da Saúde, tamanha importância. Em 19 de julho de 2005, aos 80 anos de idade, Alain Bombard faleceu em um hospital na cidade de Toulon, na França, sem causas de morte divulgadas pela família do biólogo.
Fonte: Náutica.com.br